sexta-feira, 7 de novembro de 2014
terça-feira, 28 de outubro de 2014
AS PALAVRAS
As palavras são boas. As palavras
são más. As palavras ofendem. As palavras pedem desculpas. As palavras queimam.
As palavras acariciam. As palavras são dadas, trocadas, oferecidas, vendidas e
inventadas. As palavras estão ausentes. Algumas palavras sugam-nos, não nos
largam... As palavras aconselham, sugerem, insinuam, ordenam, impõem, segregam,
eliminam. São melífluas ou azedas. O mundo gira sobre palavras lubrificadas com
óleo de paciência. Os cérebros estão cheios de palavras que vivem em boa paz
com as suas contrárias e inimigas. Por isso as pessoas fazem o contrário do que
pensam, julgando pensar o que fazem. Há muitas palavras... (...) E tudo isso
atordoa as estrelas e perturba as comunicações, como as tempestades solares.
Porque as palavras deixaram de comunicar. Cada palavra é dita para que se não
ouça outra palavra. A palavra, mesmo quando não afirma, afirma-se. A palavra
não responde nem pergunta: amassa. A palavra é a erva fresca e verde que cobre
os dentes do pântano. A palavra é poeira nos olhos e olhos furados. A palavra
não mostra. A palavra disfarça. Daí que seja urgente moldar as palavras para
que a sementeira se mude em seara. Daí que as palavras sejam instrumento de
morte - ou de salvação. Daí que a palavra só valha o que valer o silêncio do
ato. Há também o silêncio. O silêncio, por definição, é o que não se ouve. O
silêncio escuta, examina, observa, pesa e analisa. O silêncio é fecundo. O
silêncio é a terra negra e fértil, o húmus do ser, a melodia calada sob a luz
solar. Caem sobre ele as palavras. Todas as palavras. As palavras boas e as
más. O trigo e o joio. Mas só o trigo dá pão.
José Saramago
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